O temível coronel Ibiapina, que chefiava o Serviço Secreto de Informação do Exército, interrogou um agitador subversivo chamado José Eduardo, que liderava o sindicato rural de Palmares. O agitador perigoso esteve em Cuba, fato que agravou seu grau de suspeição. Márcio Moreira Alves “transcreveu” o interrogatório entre o coronel e o agitador no livro “O Cristo do Povo”:

– “Por que você foi a Cuba”, perguntou o coronel.
– “Bem, seu coronel, fui porque o doutor Julião me convidou”.
– “E por que você aceitou o convite do deputado Francisco Julião?”
– “Por duas razões principais: primeiro porque nós somos muito pobres, vivíamos em questão com os donos da terra e o doutor Julião cuidava de nossos assuntos de graça. Eu achei que se recusasse um convite dele, ele poderia achar que nós estávamos desfeiteando e não iria mais querer resolver os nossos problemas de graça. Depois, cadê dinheiro para pagar advogado? Mais ainda fui por outra razão. Cada vez que eu estava no cabo da enxada e via passar um avião lá por cima, bonito, voando zum, zum, zum (e Zé Eduardo fazia o vôo com a mão, caprichando no zum-zum) me dava uma vontade danada de andar naquele bichão. Quando o doutor Julião me convidou achei que o dia chegara de eu também voar e não quis perder a oportunidade”.
– “E você gostou da viagem?”, indagou o coronel, meio sem jeito com aquela história de vontade de voar.
– “Bem, seu coronel, gostar, mesmo, não gostei não”.
– “Por quê?”
– “É que lá no alto, quando ele está zum, zum, zum, de repente dá uns trancos, desce nuns buracos. O estômago da gente fica embrulhado e dá um medo danado. Eu fiquei meio zonzo e com medo de melar do homem que estava do meu lado”. – “Seu burro, não estou perguntando se gostou de andar de avião, quero saber é se gostou de Cuba”.
– “Ah, seu coronel, gostar, também não gostei não”.
– “Por quê?”
– “Não é que aquela gente lá parece toda estrangeira? Eles falam tudo arrevezado, a gente não entende o que eles dizem, eles não entendem o que a gente diz, é uma confusão danada”.
– “E o que você viu por lá?”
– “Não vi nada, não senhor. Só uns engenhos de cana, umas usinas, um povo parecido com a gente aqui de Pernambuco, só que estrangeiro”.
– “Já sei que é estrangeiro, seu ignorante. Mas você não viu mais nada, preparativos de guerra, por exemplo?”
– “Ah, isso de guerra não vi não senhor, coronel”.
– “Você não viu soldados pela rua, de uniforme e metralhadoras?”
– “Ah, bom, soldados e metralhadoras vi muito, sim senhor. Igualzinho a aqui em Pernambuco”.
– “E não viu canhões antiaéreos, sacos de areia pelas ruas?”
– “Sacos de areia, vi, sim senhor. Até furei um deles para ver o que tinha dentro. Era uma areia fininha, branquinha, boa para caiar casa. Eles devem estar querendo caiar muita casa lá em Cuba”.
– “Seu burro! Seu imbecil! Ponha-se daqui para fora! Você não é comunista, não. Você é cretino, isto sim! Saia da minha frente!”