Ele é o personagem vivo que conduz à mostra história do sindicalismo rural, das vésperas de 64 à Federação dos Trabalhadores Rurais de Pernambuco de hoje, com 180 sindicatos.
Não cabe o mapeamento ou o registro de cifras de sindicatos em cada região, cabe o gênero do sindicalismo forjado, o perfil de cada liderança e sua simbiose com o meio. Sobressai, assim, a militância de Euclides Nascimento; militância longa, insubmissa, eclética e paciente.
É o que se vê no documentário A Voz do Campo. O primeiro a dar seu depoimento, como escritor e político, é Luciano Siqueira, capturando o assunto do filme com o que ele – o depoente – tem como ofício não menos longevo: “Um militante no sentido mais preciso que a palavra pode ter.” Na mesma trilha, focando causa e fenômeno, resume Aristides Santos, presidente da Fetape: “Ele conseguiu conviver com a ditadura sem ceder à ditadura…” Na síntese, aponta o exemplo e a lição à curadoria estreita de chefes sectários.
O jornalista Inaldo Sampaio, inda que reconhecendo em Euclides Nascimento, José Rodrigues e José Francisco, o trio emblemático dos camponeses em luta pós-64, incorre no desvelo comum a hesitantes historiadores, vez que o cuidado é com a terra, objeto da disputa entre camponeses e latifundiários. “Apesar do radicalismo meio irresponsável de Francisco Julião, ao defender reforma agrária na lei ou na marra.” Não se dá conta, ele, de que Julião não falava por si, reproduzia o sentimento do campesinato, já por si armado de facas, estrovengas, enxadas e soca-socas. Na circunstância do cambão, no dizer de Euclides, “com o trabalhador sem ter salário, direitos e trabalhando dois, três dias de graça para o patrão, na semana. Só produzia farinha para comer mandioca…”
Romeu da Fonte, advogado de confiança dos sindicatos, da Fetape, dá conta de episódio que ilustra a insubmissão do neto de mestre de açúcar que foi Euclides. “O general comandante do IV Exército abanou a mão na cara de Euclides. Euclides fez a mesma coisa com ele. Foi chamado para responder processo na Delegacia do Trabalho. Até o ministro do Trabalho veio de Brasília. Não me deixaram entrar. No fim saiu todo mundo rindo. Euclides explicou que era um homem do interior, estava ali para aprender. Quando o general abanou a mão na sua cara, ele disse que fez a mesma coisa porque pensava que era um gesto de gentileza!”
Aristides Santos diz que ele “consegue conviver com as diferenças sem perder as opiniões próprias.” O episódio mais eloqüente ocorre logo após o golpe militar, quando Euclides derrota o próprio irmão, Nativo Almeida, em eleição para a diretoria da Fetape. “Eu tirei dois mandatos na Fetape e queria tirar o terceiro. Na eleição, Euclides apoiou a chapa de Zé Rodrigues. Na contagem dos votos, ficou tudo pau a pau. Faltando três votos para a apuração terminar, os três votos eram Zé Rodrigues, Zé Rodrigues, Zé Rodrigues. Perdi para o meu irmão…”
Eclético, Euclides canta com convicção músicas, hinos religiosos. “Minha mãe era quem me puxava pelo braço para assistir às missas. No engenho Cafundó não tinha igreja. A gente ia uma vez por mês para Buenos Aires, assistir à missa.” Com a mesma fé, a voz rouca dos discursos, canta: “Caminhando e cantando e seguindo a canção…”
[box] Texto escrito por Marco Albertim- Menção honrosa dos Prêmios Literários da Cidade do Recife, com o livro Um presente para o papa e outros contos. Integra as antologias de contos Recife conta o Natal e Panorâmica do conto em PE.[/box]
Publicado no Portal Vermelho no dia 8 de agosto de 2010