Em entrevista concedida a jornalista e neta Daniella Almeida, * em março de 2007, o sindicalista Euclides Nascimento, fundador dos primeiros sindicatos rurais do Estado de Pernambuco, falou sobre a luta do homem campestre pela reforma agrária que, segundo ele, mesmo sendo “utópico aos olhos de alguns, é possível à boa vontade dos poucos que possuem grandes terrenos improdutivos e que deles dependem o verdadeiro poder de fazer algo pela maioria sem terra”. Na época, Euclides era assessor de formação e organização sindical da Federação dos Trabalhadores Rurais de Pernambuco, a Fetape.
Entrevista Euclides Nascimento
Por Daniella Almeida
D.A.- Como o senhor ingressou na luta em defesa do trabalhador rural?
E.N.- Eu morava no Sítio Itaparica, município de Buenos Aires, em Pernambuco. Na época era distrito de Nazaré da Mata. Em 1961 como membro da igreja católica, exerci a função de zelador na diocese de Nazaré desenvolvendo trabalhos de evangelização nos sítios e comunidades rurais. Como agricultor sentia na pele os problemas do campo vigentes na época: muita opressão, injustiça e terror. Esse era o cotidiano sofrido dos agricultores que trabalhavam nas terras dos senhores de engenho. Por meio da igreja católica fui convidado para fazer um curso pelo Serviço de Orientação Rural em Pernambuco, o SORPE. Lá aprendi que sindicato era um organismo vivo, uma ferramenta de luta em defesa da classe camponesa oprimida e injustiçada pela prepotência do sistema latifundiário.
D.A.- Como aconteceu a construção dos primeiros sindicatos rurais e como o senhor contribuiu para a fundação dos mesmos?
E.N- No curso do Serviço de Oirentação Rural de Pernambuco, o SORPE aprendi as principais finalidades do sindicato.Vi que para formar um, era preciso unir a classe, defender e representar. Em novembro de 1961, fundamos então o sindicato de Nazaré da Mata, Carpina, Vicência e Paudalho, eles foram os verdadeiros precurssores. Numa assembleia fui eleito presidente desses sindicatos e a princípio trabalhava três dias na roça e três no sindicato gratuitamente, pois na época não havia condições para remunerar ninguém. Apenas após dois anos é que deixei de vez a roça para me dedicar totalmente ao STR. As lideranças sindicais formadas pelo Sorpe foram responsáveis pela fundação das STRs em seus municípios e encaminharam para o Ministério do Trabalho o pedido de reconhecimento oficial. Assim foram fundados as STRs em Pernambuco.
D.A.- Quais foram às dificuldades na época?
E.N.- Com um lápis e um papel na mão escrevendo o nome dos companheiros que conseguia convencer a se associar ao sindicato, tive que viajar a pé pelos engenhos, fazendas e povoados sem carro, dinheiro e algumas vezes dormindo na casa deles, pois era muito difícil conseguir chegar na minha casa no mesmo dia. Sofri muito preconceito pois muitos senhores de engenho diziam que sindicato era apenas para os trabalhadores da cidade e não para camponeses. Outros, diziam que era comunismo, que naquela época era um perigo. Outros diziam que era o satanás seduzindo os trabalhadores.
D.A- Que tipos de perseguição o senhor sofreu?
E.N- Constantes perseguições, emboscadas, tentativas de assassinato, promessas de bala na cabeça, denúncias infundadas às autoridades, enfim, uma série delas. Sempre era intimado, mas provava com base na lei quem estava com a razão e as denúncias caíam por terra.
D.A- Em que ano foi fundada a Fetape e qual sua finalidade?
E.N- A Fetape foi fundada no ano de 1962 e é uma instituição de representatividade dos trabalhadores de grande força de mobilização, organização e capacitação de todos os trabalhadores rurais. A lei permite que com a criação de cinco sindicatos haja a fundação de uma federação. Assim surgiu a Fetape. Presidi a mesma por três gestões na década de 60 e 70.
D.A- E a luta pela reforma agrária, como se deu?
E.N.- A luta pela reforma agrária se deu na medida em que a legislação trabalhista obrigou os latifundiários a pagarem os direitos trabalhistas aos camponeses. Quando isso aconteceu eles começaram a fazer demissão em massa e com isso, acelerou-se o processo do êxodo rural, o que forçou muitos trabalhadores a povoar as periferias das cidades. Com esse processo de opressão e de injustiça é que os sindicatos entram para pressionar o governo pela implantação da reforma agrária no sentido de manter o homem na terra. A luta pela reforma agrária meteu medo em muita gente que não entendia ou não queria entender muito bem esse processo, principalmente durante a ditadura. Muitos eram considerados subversivos e comunistas. No dia 30 de novembro de 1964, o presidente Castelo Branco assinou a lei de reforma agrária e apesar das dificuldades do golpe militar, a partir daí tínhamos a cobertura legal para reivindicarmos nossos direitos. A reforma agrária apesar de ser utópico aos olhos de alguns, ainda é possível a boa vontade dos poucos que possuem grandes terrenos improdutivos, mas que deles dependem o verdadeiro poder de fazer algo pela maioria sem terra. Não existe democracia sem a democratização da terra. É preciso desapropriá-las e simultaneamente oferecer uma infraestrutura da mesma. A Fetape sempre defendeu essa luta de forma judicial, mostrando através da lei todos os direitos que o homem do campo possui.
D.A- Qual sua opinião sobre a forma que outros os movimentos rurais a exemplo MST, MLT entre outros, se manifestam para reivindicar essa reforma?
E.N- Acredito que é correto cada segmentação da classe rural buscar meios para protestarem seus direitos. Contudo, meios qualitativos e construtivos para ambas as partes. Rebeldias, quebra pau, violência e agressões não levam a lugar algum. É mais válida a luta baseada na lei, mesmo que demorada, junto a pressão sim, mas sem vandalismo. A barbárie não é a solução.
D.A – Depois de todos esses anos defendendo os direitos do homem do campo, que lição o senhor tira de tudo? O que ainda deve ser mudado no processo agrário brasileiro para que a reforma agrária de fato aconteça?
E.N.- Minha conclusão é de que não podemos cruzar os braços pensando que tudo está resolvido. O que fazemos é uma gota dentro de um enorme oceano. O que deve ser mudado? A conscientização do ser humano no que diz respeito à dignidade da pessoa humana, da família, do grupo, da comunidade. Mudar a visão política, econômica e social visando a distribuição igualitária da renda per capta do país à toda sociedade sem distinção. E pessoalmente, colocar cristo em primeiro lugar como nosso guia para termos coragem e fé para seguir em frente. “Coragem, nada vos aterrorize, vosso Deus que marcha em vossa frente. Ele não vos deixará nem vos abandonará”, Deuteronômio 31, 6.
* Entrevista concedida a repórter Daniella Almeida na residência de Euclides no dia 31 de março de 2007.